Capítulo 1:
A
Garota que queria estar entediada
“Acha mesmo que uma
pirralha como você seria capaz de derrotar o Lorde Demônio? De maneira
nenhuma.” O lendário mago olhou profundamente nos olhos temerosos da menina
enquanto ela era pendurada no ar, suspensa pela gola da sua camisa.
Ela
também sabia que era tudo verdade. Ela havia sido completamente inútil no seu
ultimo encontro com o demônio... pior, também foi necessário que o grupo a
protegesse. Mas não havia força para manter o lábio superior rígido quando lhe
chamasse inútil. Havia tentado suavizar o golpe fazendo uma piada, rejeitando.
E
assim foi como terminou aqui.
Flum
Apricot forçou um sorriso, embora as lágrimas ardessem nos cantos dos seus
olhos. O homem soltou um bufo zombeteiro antes de sair. Ficou ali por um tempo,
olhando para seus pés, antes de passar finalmente a manga pelos olhos húmidos.
Sua
voz tremia enquanto não falava em voz alta com ninguém em particular. “Em
primeiro lugar, nunca quis estar aqui, você sabe...”
Origem,
o Criador Divino, previu que Flum seria um dos bravos heróis que derrubariam o
Lorde Demônio. Mas os outros heróis estavam em mundos diferentes de Flum. O
homem que a havia ameaçado momentos antes era Jean Inteige, o assombroso sábio
que podia controlar os quatro elementos: fogo, agua, vento e terra. Logo estava
Linus Radiant, o arqueiro com olhos de águia que podia acertar um alvo a
quilômetros de distância. María Affenjenz era uma santa misericordiosa e
amorosa que podia curar as doenças do corpo e da mente. Gadhio Lathcutt estava
armado com uma enorme espada que manejava com uma mão, cortando inclusive os
monstros de Rank S com facilidade. Eterna Rinebow, conhecida em alguns círculos
como a bruxa atemporal, controlava uma magia tão poderosa que podia enviar seus
inimigos diretamente para o fundo do mar. E finalmente, estava Cyrill Sweechka,
uma jovem que irradiava bravura e foi dito que ela era o salvador nascido para
livrar o mundo do Lorde Demônio.
Cada
um deles era tão famoso por direito próprio que inclusivo um caipira do
interior como Flum havia ouvido falar deles. Parecia que o destino uniu suas
forças para destruir o Lorde Demônio de uma vez por todas. E era igualmente
obvio que uma garota de povoado como Flum não pertencia a um grupo tão
impressionante. O único que ela trazia a mesa era “Reversão”, um estranho
efeito de estado que nem sequer ela entendia totalmente. Seu único efeito
aparente era que automaticamente convertia todas as suas estatísticas para
zero.
Quando
Cyrill lhe disse que foi previsto que seria um dos grandes heróis, Flum não
havia tido mais conquistas no seu nome além de levar uma vida tranquila no seu
povoado. Ela fez tudo o possível para apoiar o grupo fora de combate,
trabalhando mais duro do que qualquer um da equipe. Mas inclusive quando Flum
arriscou sua vida para proteger outro membro do grupo, sofrendo ferimento no
processo, simplesmente disseram que não valia a pena desperdiçar sua magia para
cura-la.
E,
ainda assim, ela persistiu.
Quando
conseguir ser de ajuda, os membros do seu grupo simplesmente a ignoraram e lhe
disseram para se manter fora do caminho.
E,
ainda assim, ela persistiu.
Quando
preparou alguns sanduíches para alimentar o grupo na sua viajem, não viram sua
comida como digna de comer, ao menos que ela praticamente implorasse.
E,
ainda assim, ela persistiu.
Olhando
para trás, Flum teve que admitir que poderia haver tido alguma espécie de
complexo de vítima. Mas seja com for, era inegável que os outros heróis a
tratavam como uma cidadã de segunda classe. Não podia entender como havia
terminado nessa posição ou porque trabalhava tão duro por nada. Tentou dizer a
si mesma que havia feito tudo o possível, mas no fundo da sua mente, sabia que
finalmente chegaria o dia que alcançaria seu limite.
De
repente Flum sentiu como se alguém estivesse a olhando. Por um segundo, teve a
ideia de que um dos outros tinha vindo para tentar animá-la, mas era só Cyrill,
olhando para ela em silêncio.
Cyrill
era baixa... de fato, mais baixa que Flum, com o cabelo loiro solto que caia
pelas orelhas. No entanto, havia um profundo poder dentro dela que faria,
inclusive, o demônio mais durão tremer de medo.
Cyrill
Sweechka era a definição de herói dos livros didáticos.
Flum
não podia calcular o que estava pensando a outra garota, mas estava claro que
não era nada positivo. Decidiu tentar quebrar a tensão. “E-Ei, Cyrill...”
Tão
rápido quanto as palavras saíram da sua boca, Cyrill girou sobre seus pés e
começou a se afastar.
Flum sentiu que um nó apertava em seu peito e seus olhos se encheram de lagrimas. Mordeu o lábio com força para não chorar.
Ela havia sido completamente abandonada.
Quando
começaram sua viaje, Flum e Cyrill haviam estado bastante unidas. Não só eram
ambas de pequenos povoados, mas elas possuíam também a mesma idade. No entanto,
a medida que a inutilidade de Flum se fez mais evidente, começou a se formar
uma brecha entre as duas jovens. Cyrill deixou de tentar anima-la, como se não
quisesse reconhecer a existência de Flum.
Em
circunstâncias normais, Flum nunca teria aceitado s unir a um grupo como esse.
Mas havia sido previsto pelo Origem, e a decisão não foi sua. As pessoas do seu
povoado haviam estado tão emocionadas que havia um herói entre eles. Como ela
poderia dar pra trás?
Não
pôde evitar se perguntar o que pensariam seus amigos e familiares sobre ela
agora... a jovem a qual haviam depositado todas suas esperanças e sonhos, agora
inútil e se revirando na autocompaixão, sem um só aliado para seu nome. Só de
pensar em todos os seus amigos e entes queridos virando as costas para ela,
assim como Cyrill, Flum afundou ainda mais no desespero. Mas se render não era
uma opção. Inclusive se não queria fazer isso, ainda tinha o dever de realizar
seu trabalho.
Flum
passou o punho pelos olhos para enxugar as lagrimas e depois saiu correndo
atrás do grupo. Não importa como era tratada pelo resto do grupo, sabia que não
havia outra escolha a não ser confiar neles.
Sentia-se sozinha no mundo, sem uma só pessoa que pudesse
realmente chamar de amiga.
O continente estava divido pela metade, com os humanos vivendo no sul e os demônios no norte. O grupo estava atualmente em uma viajem para o norte em território demoníaco, se aproximando de forma lenta mas segura ao castelo do Lorde Demônio.
Embora
estivessem tecnicamente limitados ao que podiam fisicamente carregar consigo, o
feitiço Retorno de Cyrill lhes permitiam voltar facilmente para a capital, no
caso sua base de operações, e recolher tudo o que lhes faltasse. Usar o feitiço
novamente lhes permitia se teletransportar de volta a uma localização “salva”.
No
entanto, designar uma localização “salva” requer que o grupo usa-se um objeto
conhecido como pedra de teletransportação, um elemento incrivelmente raro que é
encontrado somente em ruinas antigas. Com suprimentos limitados e sem meios de
fabricar novas pedras, só podiam usa-la com moderação e em lugares
predeterminados. Além disso, só os magos incrivelmente hábeis, basicamente
Eterna e Jean, podiam usar a poderosa magia necessária para salvar uma localização
usando a pedra de teletransportação.
O
grupo seguiria adiante e faria alguns processos, economizaria, voltaria para a
capital para repor seus suprimentos e logo repetiria o processo. O progresso
era lento, mas claramente estavam avançando até o castelo do Lorde Demônio.
Hoje,
o grupo criou um ponto salvo e usou o feitiço Retorno uma vez que chegaram a
seu objetivo do dia. Reapareceram na “sala de teletransportação” no sótão do
palácio. Estava escuro e fora do caminho dos olhares indiscretas, o que o
convertia no lugar perfeito para entrar e sair da capital.
Eterna
respirou fundo e abundantemente. Haviam passado vários dias desde que voltaram.
“Haaaah, inclusive o ar tem um gosto melhor aqui.”
O
ar no sótão húmido não era o que se podia chamar caridosamente de fresco, mas
saber que não havia inimigos à espreita em cada esquina provavelmente ajudou.
María
assentiu com a cabeça. “Há algo tão... sujo no ar lá em cima.”
Linus
correu até Maria, gesticulando enfaticamente. “Sei que acabamos de voltar e tudo,
mas todos estamos um pouco rígidos, sabe? Estaria mais que feliz de te dar uma
massagem, María, e... ”
O
sorriso nunca abandonou o rosto de María quando repreendeu a Linus. Ela
costumava corar e repreender cada vez que ele contava uma de suas piadas
desagradáveis, mas já estava acostumada. “Oh, Linus, você sabe o quanto eu
detesto essas proposições lascivas.”
Os
ombros de Linus afundaram na decepção, mas não era dos que se rendiam
facilmente. Rapidamente girou para tentar programar um encontro. “... Só ia
dizer que, isso era algo que diria um velho pervertido! De qualquer forma, que
tal se você e eu vamos comer algo?”
María
levou a mão para a boca e soltou uma risada refinada. “Bem, suponho que poderia
fazer isso.”
Linus
lançou o punho ao ar, incapaz de conter sua emoção. “Muito bem!”
Sem
dizer uma palavra para o resto do grupo, os dois saíram da habitação. Jean
negou com a cabeça e murmurou com desdém para si mesmo, mas não havia muito o
que pudesse fazer a respeito. Foi permitido para todos um pouco de tempo livre
até que tivessem que voltar a se reunir aqui em dois dias.
Depois
que Linus e María saíram, o restante do grupo se dispersou lentamente, cada
membro partiu por sua conta até que só ficaram Flum e Cyrill. Cyrill fechou os
olhos e se concentrou. Um tempo depois, a espada de joias que ela segurava na
sua mão desapareceu em um instante, deixando só uma runa brilhando na palma da
sua mão. Ela olhou apara Flum antes de dar a volta e sair da habitação brava.
Flum
passou por vários cenários em sua mente, mas no pôde entender o que havia feito
errado. Ela e Cyrill adoravam doces, e geralmente saiam para comer torta juntas
quando estavam na capital, mas não parecia que isso fosse acontecer agora.
As
lembranças do seu povoado natal e de sua família chegaram como uma avalanche.
“Gostaria de estar em casa. Me pergunto o que papai e mamãe estarão fazendo
nesse momento...”
Só
haviam passado alguns meses desde que deixou seu povoado, mas se sentia como se
tivesse passado uma eternidade. A ideia de estar de volta com sua calorosa e
amorosa família fez com que seus olhos se enchessem de lagrimas, tantas que
esfregou com raiva e sacudiu a cabeça, dizendo que não ia deixar que isso a
superasse.
Não
teve tempo para se sentar e se sentir mal por si mesma. Havia suprimentos para
comprar para sua próxima excursão e só dois dias para faze-lo. Era o mínimo que
podia fazer pelo grupo, considerando que não podia oferecer muitas outras
formas de apoio.
O
corredor fora da habitação estava frio e pouco iluminado. Flum viu um homem com
quase o dobro do seu tamanho e vestia uma armadura negra, apoiado contra a
parede com os braços cruzados.
“Gadhio?
Eterna? O que estão fazendo aqui?”
Viu
Eterna de pé na sombra de Gadhio. A maga saiu e agitou suas mãos. Seu maiô azul
claro grudado na sua pele, lhe fazendo parecer um peixe se deslizando sem
esforço pelo ar. Combinado com seu chapéu de campanário e sua capa solta, um
olhar rápido é suficiente para dizer que você está lidando com uma maga
bastante peculiar.
“Fazer
comprar, verdade? Tenho algumas coisas para fazer, então pensei em me juntar a
vocês.” Anunciou Eterna.
“Eterna
me disse para vir para ajuda-la a carregar suas malas. Suponho que é justo,
embora não é exatamente o que eu quero fazer com meu tempo livre.” Apesar de
suas queixas, Flum pôde ver um olhar amável no rosto de Gadhio.
Pelo visto, eles haviam notado o mau humor de
Flum e decidiram a esperar. Gadhio havia sido um aventureiro durante muitos anos
e Eterna, apesar da sua aparência juvenil, era muito mais velha que Flum.
Flum
se inclinou profundamente. “Muito obrigada!”
Embora
fosse uma oferta relativamente simples de sua parte, aliviou algo do peso que
pesava sobre a jovem. Ela sentiu ser invadida por uma grande sensação de
alivio.
Era só questão de tempo até que descobrisse quanto errada
ela estava.
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Depois
de tudo, suas estatísticas eram zero. Sua força de 0 lhe impediu de levar
objetos pesados, e uma resistência de 0 a deixou sem ar depois de caminhar um
pouco. Não era tão mal a ponto de não poder viver uma vida normal, mas
definitivamente estava menos em forma do que pessoa mediana da rua. Inclusive
Flum estava constantemente chateada pela sua própria fraqueza.
Isso
não era nada novo, claro. Havia sido assim desde que era uma garotinha, e tudo
era devido a sua falta de afinidade.
Todos
nascem com afinidade, as mais comuns eram o fogo, a água, o vento, a terra, a
luz e a escuridão. Dependendo da sua habilidade mágica, essas afinidades
influenciam no tipo de magia que poderia ser usada. Algumas pessoas únicas
nasceram como afinidades distintas dessas seis. Jean, por exemplo, tinha a
finidade com a “natureza”, o que lhe garantia a capacidade de controlar o fogo,
a agua, o venta e a terra. Cyrill era um “herói”, o que lhe dava acesso a
feitiços exclusivos.
Essas
“afinidades raras” eram geralmente muito superiores às seis padrões que
possuíam a maioria da população. Por desgraça, inclusive esses valores atípicos
possuíam exceções, e a afinidade de “reversão” de Flum era uma. Força, magia,
resistência, agilidade, percepção... suas estatísticas eram zero em todos os
âmbitos e se negavam obstinadamente a aumentar sem importar o que fizesse.
“Pelo
menos as pessoas do meu povoado foram amáveis comigo...”
De
volta no seu povoado natal, ninguém zombou dela. Os adultos a tratava como as
outras crianças e as outras crianças a aceitavam como uma delas. Em
retrospectiva, talvez houvesse sido a exceção, não a regra.
Flum
amaldiçoou mentalmente a mão que o destino a havia dado quando caiu sobre a
cama e abraçou a almofado com força. Era uma sensação tão boa ficar ali deitada
e descansar. Estava muito exausta e estava a ponto de dar por terminada a noite
quando uma batida na porta a assustou.
“Quem
é?” Seu cérebro ainda estava confuso.
“É
Jean. Escuta, temos que conversar.”
Isso
despertou Flum imediatamente. Rapidamente ficou de pé e correu para abrir a
porta, tropeçando e arranhando seu joelho no caminho. Lutou contra a dor e
girou a maçaneta da porta com um vislumbre das lagrimas nos olhos. O sábio
estava do outro lado da porta, com um olhar solene no rosto.
“Isso
certamente é uma surpresa, Jean. O que posso fazer por você?”
“Venha comigo.”
Apesar de não ter sido
oferecido informação para continuar, Flum não se sentiu em posição de rejeitar
a Jean. Ela rapidamente fechou a porta atrás dela e correu atrás de Jean.
O sábio saiu da pousada
e se moveu rapidamente pelas ruas, sem se incomodar nem uma só vez em comprovar
se Flum realmente estava o seguindo. Isso não era porque confiasse nela, mas
porque não tinha nenhuma duvida de que ela seguiria todas as suas ordens.
Jean
entrou em um beco estreito repleto de homens bêbados e de aspecto frágil que
buscavam o pouco calor que podiam em baixo de cobertores surrados. Flum nunca
havia vindo aqui sozinha. Preocupando-se cada vez mais a cada segundo,
finalmente falou. “B-Bem, umm, para onde estamos indo, Jean?”
Por
desgraça, nem sequer respondeu. Pelo menos ela deveria ter esperado.
Flum
continuou a segui-lo em silencio enquanto eles passavam por vários becos antes
de finalmente terminar em uma grande área aberta. Estavam em uma parte da
capital que ela nunca havia visto antes... o que não era surpreendente,
considerando que era duzentas vezes maior que qualquer outra cidade na qual ela
já esteve... mas essa área era escura e lúgubre. Quase como se fosse uma cidade
diferente.
“A-Aqui
é para onde nos dirigíamos?” Ela perguntou.
Jean
finalmente se virou para se dirigir a sua companheira... estendendo a mão e
agarrando um punhado de seu cabelo. Dirigiu Flum até um homem com as costas
encurvado e um sorriso traiçoeiro no rosto.
“Ai,
esta me machucando, Jean! Pare!”
Seus
gritos caíram em ouvidos surdos, o objetivo de Jean era a trazer aqui. Flum se
mexeu numa tentativo desesperada de se libertar do agarre de Jean, mas não era
suficientemente forte.
“Bom,
bom, bom, realmente me trouxe algo de carne fresca, não?” O estranho juntou as
mãos e estreitou seu olhar, examinando cada centímetro do corpo de Flum.
“Só
estou tirando o lixo para fora, realmente.” Com isso, Jean a jogou aos pés do
homem.
“Nnyak!”
Flum caiu no chão com um estalo e ficou parada ali por um tempo. Seus pés
queimavam por conta dos arranhões que havia tido ao ser arrastado no chão.
Olhou para Jean, o medo era evidente no seu rosto, mas em troca ela só
encontrou uma expressão fria e sem emoções.
Finalmente,
começou a falar.
“Não
possui uma linhagem notável da qual falar, e nem seque tem poder para compensar isso. Todo o que você
conseguiu fazer é perder nosso tempo e reter o resto de nós. Só o fato de saber
que sou obrigado a respirar o mesmo ar que você me revira o estomago. Francamente,
acho que mereço algo de credito por ter te suportado por tanto tempo.”
“J-Jean?”
“Escorias
como você não tem o direito de dizer meu nome!!” Na sua raiva, Jean lançou um
feitiço para enviar uma pedra diretamente até Flum.
“Eek!” A pedra voou
como uma flecha perto de seu rosto e lhe cortou e cortou sua bochecha esquerda.
Flum levou a mão para a bochecha e sentiu que algo quente humedecia as pontas
dos dedos. Uma vez que viu o liquido vermelho, deixou escapar um grito de
terror.
“Vamos, vamos, espera
um pouco. Não pode danificar as mercadorias, você sabe?”
“Minhas desculpas.
Perdi a calma por um momento. Pelo menos é um corte pequeno.”
“Você esta certo.
Desaparecera com o tempo.” O homem entregou para Jean uma barra de aço com uma
grande protuberância na extremidade. “De qualquer forma, você pode decidir para
onde vai.”
Jean pegou a barra de
aço na sua mão e convocou a Calor... um feitiço de fogo. Muito lentamente, o
calor subiu pelo eixo e provocou que o pedaço de aço ficasse vermelho na
extremidade.
“Você deveria estar
feliz, Flum. Vou atribuir a você uma função que você pode realmente cumprir.”
“I-Isso é...?”
“É um ferro para
marcar... a marca de um escravo, para ser exato. Inclusive uma criatura humilde
como você já deve ter visto antes, verdade?”
Um escravo... um humano
considerado legal para a venda no mercado aberto.
Ser escravo estava
geralmente restringido para aqueles que haviam nascido de pais escravos ou a
certas classes de criminosos como forma de punição. Seu numero geral estava
diminuindo gradualmente, mas quando os nobres proprietários de terras iam para
a guerra, os soldados e os aldeões que perdiam eram frequentemente devolvidos à
capital e também escravizados.
A ultima guerra desse
tipo continuou até que o reino conseguiu reivindicar grande parte do
continente. Pouco depois, houve uma onda de escravizados que se rebelaram
contra suas horríveis condições de vida e de trabalho, fugiram para sobreviver
nas sombras e, em ultima instância, levaram a um aumento da delinquência. Como
contramedida, o governo aprovou uma lei para limitar o uso da violência
excessivo contra os escravos, melhorando em ultima instância seu nível de
vida... ou isso pensava as pessoas.. A lei também previa a recuperação dos
chamados “escravos libertos”, o que deu lugar ao mercado de escravos não regulamentado
dirigidos pelos mercados negros que compravam escravos e os vendiam para todas
as formas de prazeres mundanos.
“Deixa eu te dizer,
Flum. Todos os escravos do reino devem levar a marca de um escravo em algum
lugar do seu corpo. E isso é o que é isso. Provavelmente há formas mais fáceis
de fazer isso, mas eu decidi que te marcar era a única forma na que podia te
fazer entender meu verdadeiros sentimentos. O que você acha? Muito legal, eh?”
Tudo o que Jean disse
era verdade, A marca de um escravo devia ser visível a todo momento, mas não
tinha que estar marcada na sua pele. Que estivesse a ponto de colocar esse
pedaço de metal vermelho brilhante na bochecha de Flum não era nada mais do que
o seu próprio e retorcido desejo pessoal.
“P-Pare! Não quero ser
uma escrava!”
“Você não tem nada que
dizer nisso.”
“Isso está errado,
Jean! O que te dá o direito de me converter em escravo?”
As leis do reino
proibiam obrigar a um cidadão inocente a escravidão. Isso só podia significar
uma coisa: que o homem que estava diante dela era um mercador negro. Ele já
havia preparado todas as ferramentas necessárias para completar sua transição
para a escravidão assim que fosse marcada.
“O que me da direito?”
O rosto de Jean se contraiu com uma raiva apenas controlada. “Você tem alguma
ideia do que tem feito todos passar, pequena... Grah! Se não fosse por ti, já
estaríamos à caminho até a o Lorde Demônio! Sua própria existência não tem
feito mais do que nos segurar e enterrou todos os meus planos bem traçados. Não
é mais que uma plebeia, um bocado de bucha de canhão sem talento! Por que você
não se responsabiliza pelos seus pecados?!”
“... O resto do grupo
sabe sobre isso? Pode ser inútil, mas eu não escolhi exatamente estar aqui,
você sabe? Fui escolhida, querendo ou não!”
“Eles sabem. Mas é
claro que sabem.”
“Está mentindo! Está
dizendo que Eterna e Gadhio nem sequer tentaram te parar?” Flum não podia
imaginar seus dois recentes companheiros de compras concordando tão facilmente
com essa ideia.
Jean pôs fim a essa
fantasia. “Oh, duvidaram, claro. Mas finalmente concordaram que era o melhor.
Tudo em nome de acabar com o Lorde Demônio, já sabe. Também, sejamos sinceros,
você era uma carga mais grande para eles do que para qualquer outra pessoa.”
Isso também era
verdade. Eterna e Gadhio sempre estavam cuidando de Flum, o que a levou a
confiar ainda mais neles. Ainda assim, não podia... não queria acreditar nisso.
Flum continuou desesperada.
“E quanto a Linus e
María?”
“Disseram que não se
importavam. De qualquer forma, tinham pouca a ver contigo.”
Isso era verdade. Flum
apenas lembrava de trocado mais do que algumas poucas palavras com os dois,
então era pouco provável que eles a defendessem.
“Então, quanto há...
Cyrill?”
Ultimamente Cyrill a
havia tratado com frieza, mas não fazia muito tempo que eram amigas. Parecia
absurdo que houvesse aceitado tão facilmente vender Flum como escrava.
O
enorme sorriso no rosto de Jean dizia o contrario.
“Oh,
ela concordou. De fato, disse que estaria feliz de não voltar a ver seu rosto
nunca mais.”
“Está
mentindo...”
“Tudo
é verdade.”
“Impossível...”
“Estou
te dizendo exatamente o que ela me disse.”
Flum
gemeu de incompreensão, sem querer acreditar no que ela estava escutando. No
entanto, Jean continuou.
“Estamos
te vendendo como escrava e vamos usar esse dinheiro para financiar o grupo. Não
é tão ruim, verdade? De fato, pela primeira vez estará contribuindo com algo.”
“Não,
não-não-não! Não quero ser uma escrava!!”
“Só
pensa... isso é o mais útil que terá sido desde que você se uniu conosco. Se
sinta orgulhosa de si mesma.”
“Eu...
eu só quero ir para casaaaaaa!” Traída pelo seu grupo, as únicas pessoas que
restavam nesse mundo nas que Flum realmente sentia que podia confiar eram as do
seu povoado natal.
Mas
Jean ainda não havia terminado de fazer Flum se sentir miserável. Um sorriso
cruel apareceu nos seus lábios.
“Eu
gostaria que você pudesse, já sabe, mas isso seria injusto para as pessoas
pobres que teriam que cuidar de um pedaço de lixo como você.”
“Mamãe...
papai...”
“Sabe,
provavelmente estão cantarolando enquanto aproveitam a nova vida sem o parasita
de uma filha como você. Depois de tudo, tudo o que realmente faz é arrastar a outras
pessoas e ocupar espaço. Deveria estar feliz de lhes ter deixado a honra de ser
os pais de um suposto herói. Hahaha!”
Flum
explodiu em fortes soluços enquanto tratava de se soltar através da luta, mas
Jean não cessava. A levantaram da terra e a agarraram pelos braços e pernas,
mantendo-a no seu lugar. Lutou contra suas ataduras, mas era fraca demais para
se liberar.
Jean
riu ameaçadoramente enquanto encostava a marca cada vez mais na bochecha
encharcada de lagrima de Flum. Ela gritou por um momento enquanto pressionava
sua carne.
“Aaaaaaaauuuuuuuuuuuugh!!!!”
Todo
seu corpo se contorceu quando deixou escapar um grito ensurdecedor. As lagrimas
continuaram a escorrer pelo sua bochecha, convertendo-se em vapor no momento em
que tocavam a marca quente. Flum negou com a cabeça violentamente numa
tentativa desesperada de escapar, mas outras atadura terrosa se envolvia ao
redor do seu pescoço, mantendo-a no seu lugar.
“Aaaaaaauah!!
Aaaaaaaagguuuaaah!!! Gyaaaaaaugh!!”
Sua
voz ficou rouca, mas seus gritos não diminuíram. E enquanto Flum suportava a
dor, Jean parecia disfrutar ainda mais.
“Gahahaha!
Bem, isso é justiça poética se alguma vez eu a vi. Olha para você agora!
Gahahaha!”
“Aaaah...
aaa... aaaannng...”
Finalmente,
a voz de Flum se apagou quando perder a consciência lhe permitiu escapar da
dor. Todo seu corpo estava coberto de suor, desde a camisa até a cômoda short
que sempre usava. Não... não era o suor o que manchava o short. Flum havia
perdido o controle de suas funções corporais enquanto sofria espasmos e
contrações. Foi um espetáculo completamente vergonhoso.
Jean
tirou a barra de ferro para marcar que se esfriava lentamente da cara de Flum.
A pele rachou e se agarrou a ela enquanto ele se afastava, finalmente
separando-a da sua bochecha com um puxão final. Deixou de lado o ferro para
marcar e virou para o comerciante de escravos.
“Bem,
parecia que estava se divertindo.” O homem não parecia nem um pouco incomodado
pela perturbadora cena que acabava de se desenvolver na sua frente. Depois de
tudo, era alguém que vivia nos cantos mais escuros da civilização.
“Pode
ser dito que ela me fez passar por muitas. De fato, ainda não sinto que estamos
quites.”
“Bem,
não façamos mais danos. Poderíamos mata-la.”
“Mata-la?
Não sou uma espécie de monstro, sabe? De qualquer forma, dê-me meu dinheiro e
vou seguir meu caminho.”
O
comerciante pegou um saco de cânhamo e o agitou suavemente, fazendo que as
moedas do interior chocassem entre si. As entregou para Jean. “Aqui esta.”
Jean
pesou a bolsa para conferir o peso e sorriu de satisfação antes de dar a volta
e sair. Antes inclusive de abandonar a pequena praça, o comerciantes estava
atendendo a Flum com os suprimentos que havia preparado de antemão. A aplicação
de um pigmento magico asseguraria que a marca nunca desaparecesse.
A
partir desse momento, Flum havia perdido todos os direito e privilégios de
viver a vida como uma pessoa normal.
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